Isolamento vertical, você é a favor? 7432v
O retorno à rotina sem planejamento técnico colocará em risco à vida de vários brasileiros – inclusive a sua 5o4d32
por Patrícia Shimabuku 6t3b38
Uma das estratégias para salvar a economia sugerida por alguns governantes e economistas é o isolamento vertical, isto é, isolar somente o grupo de risco para Covid-19 (pessoas acima de 60 anos, portadores de diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, doenças respiratórias, câncer, imunodeprimidos e pessoas que apresentaram sintomas gripais). Em tese, seguindo esse raciocínio, isso permitiria que os mais jovens voltassem aos estudos e ao trabalho, fazendo girar a roda da economia – as indústrias, empresas e comércio manteriam seu ritmo de trabalho e as pessoas continuariam a consumir com certa normalidade. 451n68
Continuando essa tese, outro argumento apresentado: com a saída de casa de pessoas de 20, 30, 40 e 50 anos, invariavelmente, elas se infectariam com o Sars-cov-2 (novo coronavírus). Como não fazem parte do grupo de risco, não teria teriam grandes consequências à saúde e, em longo prazo, desenvolveriam imunidade.
Essa estratégia é viável para o Brasil? Quais os possíveis desafios?
Em primeiro lugar, é difícil isolar apenas algumas pessoas. É complicado pensar num isolamento vertical diante da realidade de nossa sociedade.
Algumas moradias só possuem um sanitário e os quartos são divididos com mais moradores. Pense na realidade dos idosos que moram com seus filhos ou netos. Se os mais jovens voltarem à escola ou ao trabalho e tiverem contato com o vírus, vão trazer a doença para dentro de casa. As escolas públicas não disponibilizam nos sanitários dos alunos itens para higiene pessoal – falta papel higiênico, sabonete líquido e toalha de papel. E, também, não podemos esquecer que 35 milhões de brasileiros não possuem água tratada em suas casas – sendo assim, como garantir o mínimo de higiene pessoal?
Carência e precariedade do sistema público de saúde associado a falta de tempo, má alimentação e sedentarismo – vários brasileiros são diabéticos e hipertensos – e muitos vivem sem saber que são portadores de doenças metabólicas. Sem falar no número de brasileiros com problemas respiratórios como asma ou DPOC. Desta forma, são numerosos os indivíduos que estão abaixo da faixa etária dos 60 anos, que fazem parte do grupo de risco da Covid-19.
Com a escassez e altos preços de EPI (Equipamentos de Proteção Individual) e álcool em gel associados a precariedade de alguns ambientes de trabalho, como o empregador irá garantir a segurança do trabalhador? Como o Estado e o empregador irão proporcionar condições de transporte dentro das diretrizes de saúde?
Em linhas gerais, as condições sociais, sanitárias, estudantis e trabalhistas do Brasil não permitem o isolamento vertical. Outras doenças de notificação compulsória, como a dengue, já revelaram as dificuldades do SUS em casos de epidemia, dificuldade de articulação política e a falta de conscientização da população. É ilusão considerar somente a baixa taxa de letalidade da Covid-19 em pessoas fora do grupo de risco como fundamento para o isolamento vertical. A taxa de letalidade pode ser baixa, porém as complicações de saúde neste grupo, demandam tratamentos médicos de alta complexibilidade, fato que colapsará o sistema de saúde público, conveniado ou privado.
Por fim, se a decisão for isolamento vertical, espero os representantes do Poder Executivo e Legislativo analisem criticamente o território do seu governo: condições sanitárias, moradia (principalmente, as moradias de interesse social), transporte público, estudantil, capacidade de atendimento de saúde, doenças da sua população e densidade demográfica local.
A manutenção econômica não deve ignorar as considerações técnicas e multidisciplinares de saúde. As decisões de combate à pandemia não podem ser politizadas e muito menos moeda de campanha eleitoreira. Os três poderes do sistema político brasileiro, nas suas três esferas, devem estar em consonância. O retorno à rotina sem planejamento técnico colocará em risco à vida de vários brasileiros – inclusive a sua.
*Patricia Shimabuku é farmacêutica industrial, professora e ativista socioambiental. Para ler todos os artigos da colunista, e aqui.