OPINIÃO | Enchentes e Inundações urbanas: um espetáculo de erros e irresponsabilidades! 6z196c
A extinção dos problemas de drenagem será garantia de qualidade de vida urbana i4y6v
por Patrícia Shimabuku 6t3b38
A chuva intensa é um fator importante na revelação das incapacidades dos projetos e obras de drenagem urbana, contudo, culpá-la pelos problemas causados pelas enchentes não é sensato, mas sim, omissão.
A questão das enchentes, inundações e alagamentos nas áreas urbanas é uma manifestação natural intensificada pela ação humana e pelo formato de uso/ocupação/transformação do território (“construção da cidade”).
Na natureza, a enchente (ou cheia) é um fenômeno natural, caracterizada pela temporária elevação do nível habitual d’água do “córrego” (leito maior ou planície de inundação), devido ao acréscimo de volume (vazão do “córrego”) em consequência da chuva. Já a inundação, esse acréscimo de volume não se limita à calha principal do “córrego” (leito menor + leito maior), e sim, extravasa para áreas marginais, habitualmente não ocupadas pelas águas. Concomitantemente ao fenômeno, o processo de escoamento superficial (enxurrada) das águas da chuva até chegar ao “córrego” é mais lento (presença de vegetação) e com volume menor (infiltração de água no solo). E por sua vez, o alagamento é o acúmulo momentâneo de água em um determinado local causado por ausência ou ineficiência do sistema de drenagem.
A urbanização acelerada (não planejada associada a especulação imobiliária, mais a justificativa de moradia social sem estudos de déficit imobiliário) leva a ocupação das áreas de planície de inundação, logo, um espetáculo de erros e irresponsabilidades, como descrito a seguir.
A impermeabilização (dos divisores de águas das microbacias hidrográficas através de asfalto, empreendimentos: prédios e casas, cimentação de quintais e caçadas, etc.) impede a infiltração, aumenta o volume e a velocidade das enxurradas (fator que destrói as APP e compromete a sua regeneração, ocasionando o assoreamento), problemas que poderiam ser minimizados com a instalação de capta chuvas, calçadas verdes e valetas drenantes. Outro fator que agrava a situação, é a destinação incorreta de lixo em vias públicas. O lixo será carregado pelas enxurradas, que poderá obstruir bueiros e galerias, acumulará água e contribuirá para o aparecimento de doenças, como a dengue, além de, causar feiura da paisagem e poluição ambiental. E, quando o volume do “córrego” voltar ao normal deixará um rastro de destruição, problemas socioeconômicos e ambientais.
Em linhas gerais, o uso irregular do espaço geográfico da cidade, sobretudo nas margens dos cursos d’água (córregos) está condicionado a istração municipal e com a inexistência/ineficácia de diretrizes (como Plano Diretor, Plano de Saneamento Básico, Plano de Drenagem Urbana, Lei Orgânica, Constituição Federal, Estatuto da Cidade, Código das Águas, Código Florestal, Sistema Nacional das Unidades de Conservação e seus Planos de Manejo, Carta de Risco de Erosão do IPT, Decreto de Diretrizes para Obras de Drenagem Urbana, Educação Cidadã e Ambiental, etc.). Ressalto que, o modelo de arruamento vigente não considera o conhecimento popular rural sobre as áreas de “morros”, a ocupação/uso com a aplicação das técnicas em curva de nível (a desconsideração que contribui para o deslizamento de encontras).
Há uma imensidão de conhecimento sobre engenharia, arquitetura sustentável, hidrologia, geografia, geologia, física, ciências naturais, saúde pública e implicações legais, mas tudo indica que esses estudos e recomendações técnicas permanecem no campo teórico e não são utilizados pelas secretarias municipais. Não podemos deixar de mencionar, o vasto portfólio de notícias sobre os problemas urbanos pós chuvas. Sendo assim, como justificar a persistência destes problemas urbanos?
Sabe-se que o modelo de desenvolvimento urbano que aplica os estudos mencionados demandará mais recursos financeiros quando comparado ao modelo vigente e reduzirá os ganhos financeiros das empreiteiras. E arrisco dizer que, as obras públicas de engenharia hidráulica sustentável não são obras “eleitoreiras”, e sim, as chamadas obras “invisíveis, que ficam debaixo da terra”, onde o eleitor só notará a sua função/necessidade em períodos de chuvas e permitirá licitações emergenciais e/ou aditivos contratuais pela gestão pública.
Por fim, tais problemas deverão ser resolvidos antes dos períodos de chuvas intensas, com incentivos públicos (e vontade política) que visem à promoção de sistemas eficientes de drenagem, a avaliação das zonas de risco nas proximidades de córregos, mudança no modelo de urbanização e a ampliação de programas de conscientização, a fim de diminuir o descarte irregular de lixo nas ruas e de esclarecer a importância das áreas verdes para o processo de infiltração hídrica na área urbana.
A extinção dos problemas de drenagem será garantia de qualidade de vida urbana, promoção de saúde e contribuirá para o desenvolvimento sustentável, que são direitos e deveres previstos em lei (em diversas leis).
*Patricia Shimabuku é farmacêutica industrial, professora e ativista socioambiental.
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